O espelho de Narciso

domingo, 26 de março de 2006

Dia de Primavera

Caminhava como quem dança. O seu corpo esguio soava como um violino trespassado pelo vento, com ténues acordes afagando as faces rosadas. Caminhava na relva, indiferente ao suco que desenhava nos bordos das suas calças runas esquecidas, e os seus passos leves quase não deixavam marcas nesse tapete que a Natureza desenrolava a seus pés. O Sol sorria para ela e ela sorria para o Sol; alimentavam-se dos sorrisos mútuos e competiam na luminosidade que irradiavam.
De repente, estacou. Na sua frente, uma borboleta adejava delicadamente, batendo as asas ao ritmo do seu coração. Seguiu-lhe o voo cheio de caminhos secretos, acompanhou-a até às alturas e fechou os olhos, soprando-lhe um adeus de incentivo. Deitou a cabeça para trás deixando a brisa carregada de odores acariciar os cabelos soltos, os braços ergueram-se como asas sedentas, ansiosas por partir, e insuflou o peito de ar. O ar quente aconchegou-a e deixou-se escorregar lentamente até ao chão. Ficou muito tempo deitada de costas, rodeada de delicadas flores brancas, a contemplar o céu muito azul, os pequenos farrapos penugentos de nuvens e a folhagem densa das árvores a dançarem ao som da aragem. Sorrindo.
E ele, empoleirado na janela, bebia os seus gestos, sorria como ela e saboreava, com ela, secretamente, a paz e a simplicidade daquele dia de Primavera.