O espelho de Narciso

sábado, 26 de março de 2005

Insónia

O tempo passa. As voltas na cama já atingiram um número incalculável enquanto se ouve o tiquetaque do relógio no corredor. A minha cabeça está um nó, enrodilhada em pensamentos, recordações, projectos, desejos e numa consciência absurda de que os olhos teimam em continuar abertos.
Entretanto, lá fora clareia suavemente e um pássaro começa a chilrear. Depois dos ruídos nocturnos da respiração pesada dos meus companheiros de quarto, de um ou outro veículo perdido na noite e da chuva a cair mansamente no telhado, chegam os sinais inconfundíveis de mais um dia a começar. E eu continuo de olhos bem abertos, consciente do tempo a passar e do sono que tarda em chegar.
Tenho frio. Tenho calor. Todo o meu corpo dói e incapacita-me de arranjar uma posição mais confortável. Já nem sei o que tem a almofada, se é demasiado grande ou pequena, fofa demais ou achatada demais. Mas não está bem. Também ela já perdeu a conta às voltas que lhe dei. Ajeito mais uma vez o lençol e a manta, aconchegando-me virada para a parede para me resguardar da luz que se esgueira pelas frinchas dos estores. Mas o sono não vem, teima em deixar-me perdida na respiração pesada dos meus companheiros de quarto e nos meus pensamentos insones.
Já ouço passos pela casa e os periquitos a saudarem o bom dia de quem já acordou e prepara o pequeno-almoço na cozinha quando começo a sentir o sono chegar. Devagarinho, pé ante pé. E eu fico muito quietinha para não o espantar e tento não pensar no mísero par de horas que vou dormir. Deixo-me embalar finalmente pelo doce alívio que me percorre, depois do desespero das horas a passarem. Lá fora a noite findou mas, para mim, começa agora...