O espelho de Narciso

terça-feira, 22 de fevereiro de 2005

Torvelinho

Estou completamente só. O Outono não tarda, as folhas amarelecem. Encontro-me nesta cidadezinha melancólica, e em vez de pensar no passo seguinte, vivo sob a influência das sensações que deixei de sentir, a influência das recordações ainda frescas, a influência de todo aquele recente torvelinho de acontecimentos que me arrastou na sua voragem e depois me afastou de novo. Às vezes tenho ainda a impressão de estar a rodopiar num turbilhão, como se aquele tornado pudesse a qualquer momento, arrebatando-me na sua espiral, sacudir-me sem o menor sentido de ordem e proporção, e projectar-me a girar, a girar, a girar...
Fédor Dostoievski, O Jogador
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Tropecei entre duas estações neste pensamento... No desabafo de um narrador que é, provavelmente, o reflexo do estado d’alma de quem realmente escreveu. Senti-a como uma impressão digital no meio do torvelinho de acontecimentos exteriores a si próprio. Senti-a como uma presença feérica, pairando no vazio à procura de uma resposta. E, apesar de ser apenas literatura, reflexo pálido da realidade, tocou-me. Porque quantas vezes não nos sentimos assim...