O espelho de Narciso

quarta-feira, 9 de fevereiro de 2005

A parte mais gira

O Carnaval entrou na nossa vida, por um instante! Depois de lutarmos contra o seu chamamento (talvez) um ano inteiro, deixámo-nos arrebatar pela folia e saímos à rua munidos de todo o nosso arsenal de alegria de viver. Por um momento, esquecemos as nuvens negras que nos obscurecem a lucidez, as pressões e correntes que nos agrilhoam às responsabilidades, esquecemos até quem somos. Por um instante, um dia, uma noite, fomos quem quisemos!
E, vendo bem, a parte mais gira do Carnaval é o momento da transformação. Na rua já vamos levados pelo puro instinto da liberdade... Mas em casa, de volta das linhas e pincéis, somos pássaros a aprender a voar. A cada ponto alinhavamos uma nova personagem e em cada pincelada pintamos a nossa nova história. Os risos, os percalços, os olhos a brilhar acrescentam os pormenores desse passo de mágica. E, finalmente, um relance no espelho devolve-nos um outro eu, que saltou da nossa imaginação e se diluiu em nós. E estamos prontos, transformados por um dia num sonho que é real por um instante e que traz com ele todos os sonhos, costurados com risos e brilhos.
Fomos quem quisemos! E agora que o Carnaval partiu fica no corpo um travo a descontracção que teima em não partir e no peito um suspiro de saudade pelo nosso eu fictício, novamente enterrado, esperando as linhas e pincéis do próximo ano. Mas fica gravada a fogo essa recordação que nos dá força para viver mais um ano real, fica a realidade que podemos construir com os sonhos, fica a certeza que a magia de fazer um novelo de alegria e amizade com risos e brilhos perdura sempre. Até mesmo depois do Carnaval partir...