O espelho de Narciso

sábado, 11 de dezembro de 2004

Coisas que nos tocam

Hoje tomei a decisão de esperar pelo autocarro, apesar de faltarem 20 minutos. Talvez há uns anos metesse pernas ao caminho mesmo sem reflectir, mesmo sabendo que levaria tanto tempo a chegar a casa que não compensaria o esforço. Talvez tenha crescido e ficado mais ponderada, menos impaciente de esperar, menos presa à necessidade de acção. E ainda bem que assim foi, porque pude presenciar uma cena que me enterneceu.
Estava na paragem um casal de idosos, muito simpáticos e com imenso sentido de humor, que entraram à minha frente no autocarro. O senhor sentou-se num dos lugares reservados, sendo logo advertido pela esposa: “Não te sentes aí, esses são os lugares das mães.” E eu fiquei encantada com aquele gesto... É incrível como as pessoas que legitimamente têm direito aos lugares reservados são as primeiras a preocuparem-se com os outros mais necessitados, as “grávidas e mães com crianças ao colo”, como disse a senhora, e os deficientes. Às vezes até temos de insistir com as pessoas para se sentarem, porque os que mais precisam são aqueles que têm mais receio de incomodar os outros passageiros.
E esta atitude ganha uma nova dimensão aos meus olhos, uma sobrevalorização ainda maior porque todos os dias vejo as pessoas sentarem-se indiscriminadamente nos lugares reservados, enquanto observo a luta de uma senhora a tentar arranjar modo de viajar sem acidentes com um bebé ao colo e respectivo saco, de pé no meio do metro. Custa-me ver estas situações evitáveis, custa-me até saber que tem de haver lugares reservados para uma atitude que deveríamos ter sempre, que é respeitar os mais necessitados. Mas pelo menos posso ter de vez em quando o prazer de me deparar com a preocupação e o respeito de algumas boas almas...