O espelho de Narciso

sábado, 29 de janeiro de 2005

Pedem-nos para sermos estudantes...

Lembro-me, como se fosse ontem, dessas aulas de caloira em que os professores nos diziam que, se até ali tínhamos sido alunos, a partir do momento da entrada na faculdade seríamos estudantes. Provavelmente isto estará na recordação de cada estudante de Psicologia que tenha passado pelo anfiteatro, no seu 1º ano, para assistir àquela cadeira cujo nome por si só é suficientemente assustador aos olhos de um caloiro: Epistemologia e Metodologia da Investigação em Psicologia, mais conhecida por EMIP para atenuar o peso das palavras caras. Mais concretamente, é impossível esquecer o Prof. Manuel Rafael a dizer-nos que o nosso estudo era 10% de aulas e 90% de trabalho em casa. Devo confessar que para mim pareceu uma enormidade e uma tarefa hercúlea para uma simples aluna (ainda não estudante) do 1º ano.
Agora que já lá vão três anos e meio de ensino universitário e meio ano de volta das questões educativas, dou por mim a reflectir (outra vez) sobre essa diferença entre alunos e estudantes. Para a maioria das pessoas são apenas sinónimos, mas para nós estas palavras reflectem (ou deveriam reflectir) a diferença entre a passividade e a procura activa de conhecimento. Até ao 12º ano, somos apenas alunos, receptores passivos da informação transmitida por professores e manuais. Mas na faculdade tudo muda: aí revelam-nos a verdadeira essência do estudante, para quem as aulas devem ser um ponto de partida e apoio para procurar aprofundar os conhecimentos da nossa futura profissão.
É aí que está a minha grande questão: pedem-nos para sermos estudantes... mas ensinam-nos uma vida (escolar) inteira a sermos alunos! Em 12 anos da nossa vida, somos colocados perante o dever de ir às aulas, segui-las pelo manual, fazer os trabalhos de casa, estudar para os testes... apenas porque é necessário ir à escola! Quantos professores nos incutem a verdadeira sede de conhecimento? Quantas vezes os trabalhos de casa servem não para mostrar os conhecimentos aprendidos mas para incentivar uma reflexão acerca deles? Quantas aulas são dedicadas à partilha de opiniões e reflexões?... Não muitas, creio eu. Estamos num país em que a maioria das crianças sente a escola apenas como uma obrigação, em que os testes servem para acumular conhecimentos que facilmente se dissipam sem deixar marcas, em que se estuda para passar e não para aprender. Ninguém – professores, programas escolares, sistemas educativos – fomenta a curiosidade, a procura activa de informação, as opiniões pessoais, a reflexão, as atitudes que realmente permitem uma verdadeira motivação para aprender e que desenvolvem o nosso intelecto no seu todo.
Mas depois chegamos à faculdade e pedem-nos que sejamos estudantes! Pedem-nos para largarmos esses vícios tão enraizados, para esquecermos as atitudes que nos inculcaram durante anos, para mudarmos esse modo tão típico de pensar apenas na avaliação, sempre a avaliação... Torna-se difícil sacudir do espírito tudo aquilo em que nos fizeram acreditar enquanto crescíamos e nos formávamos! Crescemos de mãos dadas com a passividade, com a dependência, com o conformismo... Depois dão-nos o mundo para as mãos e dizem-nos: procurem, participem, pensem, sejam independentes! E nós, que fazemos? Agarramo-nos à falsa segurança das verdades acabadas, da informação digerida, do mundo organizadinho das aulas e das sebentas... Levamos tempo a libertarmo-nos dessas amarras que nos parecem tão seguras e tão certas mas que nos acorrentam a alma e o espírito crítico. Porque é realmente mais fácil a passividade!
Aos poucos, aprendo a ser estudante... Aprendo que é mais fácil quando se gosta realmente! É mais fácil quando temos o bichinho da curiosidade a rabiar cá dentro, quando o interesse nos impulsiona. É mais fácil quando conseguimos extrair da informação que nos chega as finalidades, as consequências, a prática. É mais fácil quando esperam que pensemos pela nossa cabeça e nos dão liberdade para pôr em causa cada afirmação. Mas para isso é preciso força de vontade e, muitas vezes, o empurrãozinho do entusiasmo que nos liberta dessa passividade aprendida!
Pedem-nos para sermos estudantes... Ainda bem que pedem, pois mais vale tarde que nunca! Mas às vezes pedir não chega... Também é necessário compreender que precisamos de aprender a sê-lo, “desaprendendo” a condição de aluno, e encontrar um motivo para o sermos, para que possamos sair da concha da passividade. Eu finalmente encontrei o meu motivo e aprendo aos poucos... E é uma sensação reconfortante!

1 Comments:

  • Subscrevo, subscrevo, subscrevo! É tal e qual assim que sinto esta descrepância...

    * EVa

    By Blogger Vida, at 30/1/05 17:35  

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