O espelho de Narciso

terça-feira, 27 de setembro de 2005

Grandes clássicos e pequenos livros

Quem me conhece sabe que adoro ler. Como tal sei que não posso passar ao lado dos grandes clássicos e, por isso, de vez em quando escolho um. Em geral, deparo-me com temas bem diferentes dos livros contemporâneos, ancorados noutras épocas, extraídos de outro tipo de pensamento, mas com o mesmo substrato: a natureza humana.
Recentemente, li O Vermelho e o Negro, do sobejamente conhecido Stendhal. Seguindo a vida e as aspirações de um jovem camponês, retrata a vida em França, na província e em Paris, logo após o “reinado” de Napoleão. Nos casarões dos senhores influentes da terra e nos salões onde os nobres se mostram imperam a hipocrisia e a ambição. E o jovem camponês, aspirante ao sacerdócio, preceptor e secretário, vive obcecado pela riqueza e estatuto que gostaria de alcançar e enredado pelo seu orgulho. Com este enredo, Stendhal mostra-nos os sentimentos mais vis que o homem pode albergar.
Cansada de tanta malícia, voltei depois a livros lidos e relidos que têm um lugar especial no meu coração. Pequenos livros da literatura contemporânea, de autores conhecidos do público e que se tornaram rapidamente best sellers. Voltei a eles com a urgência de quem precisa de ser salvo. Precisava de libertar a alma de tanta hipocrisia, vaidade e ambição, precisava encontrar algo bom na essência humana que apagasse a imagem que Stendhal gravou em mim, e consegui-o – seguindo não só com os olhos mas também com o coração as linhas impressas que me contavam histórias belas e tocantes, repletas de sentimentos nobres.
Nesse instante reaprendi a beleza da condição humana, da busca da felicidade e dos sonhos. Foram esses pequenos livros, incomparavelmente diferentes dos grandes clássicos, que me fizeram reflectir e tornar-me uma pessoa melhor, mais tranquila e atenta à voz do coração...
Por isso os valorizo: não sou pessoa de desdenhar da literatura contemporânea só pela sua proliferação, mas também não renego as obras de outros tempos. Em todas as épocas se escreveram bons e maus livros e depende de nós, leitores, saber distingui-los. Como tal, considero importante ter uma experiência variada e na minha prateleira coexistem pacificamente livros de muitos estilos e épocas diferentes. E a todos eles dou igual importância, se são de facto bons livros. Até mesmo os que me deixam desencantada com a natureza humana porque sei que me mostram uma das faces da realidade. Porque todas as épocas são iguais, em todas elas encontramos bondade e maldade, modéstia e arrogância, sinceridade e hipocrisia, coração e cérebro. Mas felizmente agora temos mais consciência do lado bom e sensível que podemos e devemos desenvolver e maior liberdade e diversidade na escrita. E, no final, todos os livros falam da mesma personagem de duas faces que é o humano e mostram-nos os caminhos para os conhecer. E, com um livro, temos o mundo nas nossas mãos!