O espelho de Narciso

domingo, 27 de agosto de 2006

Olhares

Vi-a avançar, em passo rápido e decidido, fitando o horizonte com o ar determinado de quem tem um objectivo. Passou por mim e concedeu-me aquele olhar indulgente com que poderia olhar para um cão faminto e abandonado. Absurdamente, quase esperei que me afagasse a cabeça. Mas rapidamente me desfitou e voltou a cravar os olhos no seu objectivo, talvez próximo, talvez longínquo. E, naquele segundo em que os nossos olhares se cruzaram, o fulgor que dela emanava traçou o meu objectivo. E o meu olhar seguiu-a até ao dobrar da esquina onde se esfumou da minha vida.

N
Olharam-se nos olhos, ela quase com a respiração cortada, ele com o coração a latejar-lhe nos ouvidos. Um longo instante durou aquele contacto que quase queimava, que quase sufocava. E depois o olhar dela escorreu até aos lábios dele e os lábios dele sorriram. E sorriu depois o corpo dela e as suas almas enquanto devoravam o espaço que os separava.

N
Da sua camisola negra emergia o pescoço branco e a nuca com os cabelos em torvelinho. Nunca pensara que fossem tão interessantes, essas pedras cinzentas daquele chão onde desenhara os seus passos penitentes algumas vezes. Polidas, anciãs, frias como a noite que o envolvia. O corpo, sentindo o gelo glaciar da dor, deixou rolar uma lágrima quente que se despenhou no rebordo da pedra que fitava com a intensidade de quem lhe queria arrancar um segredo.
Depois percebeu que alguém sussurrava o seu nome e levantou a cabeça. Não sabia dizer há quanto tempo estava ela ali mas por entre a neblina das lágrimas teimosas viu que partilhava a sua dor. Sem força para falar, bateu ao de leve no espaço ao seu lado. Ela sentou-se e deslizou a sua mão até à dele. E juntos, de olhos turvos pelas lágrimas teimosas, contemplaram a irmã dela, a companheira dele no seu leito alvo, orlado de flores e lágrimas.

N
Olhava para ele, enquanto o amamentava. Gostava de olhá-lo, naquele momento de comunhão, acariciar as suas pequeninas mãos e deixar o amor que sentia por aquele pequenino ser encher o quarto. E de repente ele olhava para a mãe e, reconhecendo-a e amando-a tanto quanto era amado, sorria-lhe. E depois riam os dois, numa comunhão de risos que era simplesmente pura felicidade.

N
Seguia rápida mas não apressada. Sabia onde ia e mantinha o olhar preso naquele fim de rua onde, ao virar da esquina, bebia o meu café ao balcão antes de arrancar para mais um dia de trabalho. A rua familiar já não me seduzia a relancear os olhos em redor mas, naquele dia, algo me fez desviar a cabeça. Os meus olhos encontraram-se fugazmente com os seus mas o café ao dobrar da esquina enchia-me a memória e, tão instintivamente quanto tinha olhado, desviei o olhar. Continuei a andar, rápida mas não apressada, até chegar ao meu destino. E, ao transpor a soleira da porta, relanceei o olhar por cima do ombro, esperando vê-lo dobrar a esquina atrás de mim.

sexta-feira, 18 de agosto de 2006

Momento

Aprendi que um “para sempre” se faz em cada momento e que somos nós próprios que fazemos o momento que tem sabor a infinito.

quinta-feira, 17 de agosto de 2006

Sorriso

É inevitável, este sorriso que me acompanha. Por tudo o que tem acontecido de bom na minha vida nos últimos meses...

quarta-feira, 16 de agosto de 2006

Estou espantada.

Pelo ritmo de trabalho que tenho imprimido aos meus dias. Pelos objectivos cumpridos sem esforço. Por resistir a ficar mais tempo na cama, só porque não tenho de ir a lado nenhum. Pelo facto dos únicos momentos de procrastinação serem passados a mudar fraldas, entreter o meu sobrinho e aturar as birras de sono. Por conseguir trabalhar, mesmo com a tentação de passar todo o tempo do mundo com ele a piscar-me o olho traiçoeira. Por sentir os meus últimos dias de estudante a voarem ao ritmo do teclado e das ideias a correrem lestas da mente para o papel e não sentir pena nem vontade de travar o tempo. Por tudo isto, estou espantada... e satisfeita!

domingo, 13 de agosto de 2006

Ideias avulso,

com grandes probabilidades de plágio e uma terrível falta de originalidade,
que rechearam estes dias de descanso e fuga do quotidiano, quando a mente está desocupada e o pensamento ocioso e as ideias acumuladas e pouco digeridas do dia-a-dia aparecem à tona. Por isso, não esperem grande ordem, lógica ou originalidade... São só ideias avulso!

Da comunicação

Às vezes pensamos que podemos usar os gestos para transmitir intenções, esquecendo que por vezes só sabendo quais as intenções nos podemos permitir certos gestos. E, de repente, damos por nós num impasse de comunicação, sem nos apercebermos o que falhou, porque nos esquecemos facilmente que o que não é dito não é adivinhado e que ainda não temos o poder de saber o que o outro pensa e sente... Temos apenas o dom da palavra e o bom senso para restabelecer esse equilíbrio de comunicação.

Dos símbolos

Já a Psicologia Social explicava... e nós, todos os dias, o comprovamos. O modo como nos apresentamos ao mundo determina o modo como o mundo nos olha e se relaciona connosco. Comentava-se há uns tempos que o “fato e gravata”, símbolo que nos transmite a ideia de maturidade e de prestígio, faz maravilhas no atendimento ao público. E vem-me também à memória aquele dia no banco em que o cartão universitário deu azo a um atendimento pouco respeitador... Ou seja, quando quiserem ser bem atendidos, não se esqueçam de “puxar dos galões” porque está provado (perguntem ao investigador de bata branca dos famosos choques eléctricos de Milgram!) que não há nada como os indicadores de prestígio, conhecimento e status social para que possamos usufruir de todas as reverências dos nossos interlocutores.

Do tempo

É incrível as mudanças que uma criança traz à vida de todos aqueles que a rodeiam. Há todo um mundo de rotinas, hábitos, estados de espírito e disponibilidades que se modificam mas o que mais se transforma em nós é a perspectiva do tempo. De repente, o nosso olhar expande-se até ao infinito. Aquela pequena vida tem ainda tanto para viver que nos põe a pensar no futuro longínquo como se o pudéssemos viver já amanhã. E finalmente apercebemo-nos a velocidade a que o tempo passa, passa para todos, e enquanto eles crescem nós envelhecemos, quando eles tiverem 5 anos nós estamos a casar, depois vêm os primos, os irmãos, aos 10 anos “passou tão rápido, ainda ontem andavas ao meu colo” e quando fizerem 15 ou 20 aparecem com a namorada em casa e aí apercebemo-nos que eles cresceram, nós já vivemos meia vida e passou tudo tão rápido. Mas, desde o momento em que eles nascem, vivemos para esses momentos de crescimento e de evolução, sabendo que passa rápido mas que são esses os momentos que realmente valem a pena saborear e gozar ao máximo.

Dos projectos

Projecto #1
Designação do projecto: relatório(s) de estágio.
Prioridade: total e absoluta.
Prazo: Setembro.

Projecto #2
Designação do projecto: procurar emprego.
Prioridade: indubitavelmente alta.
Prazo: o mais brevemente possível.
Observações: a execução deste projecto é sequencial relativamente ao projecto #1.

Projecto #3
Designação do projecto: limpar, pintar e arrumar antiga casa.
Prioridade: baixa e puramente pessoal.
Prazo: indeterminado, com tendência a vitalício.
Observações: a probabilidade de realização deve ser calculada após término do projecto #1 e tomando em consideração a morosidade do projecto #2.

Projecto #4
Designação do projecto: pintar tecto da casa-de-banho.
Prioridade: alta e condicionada pela velocidade de acumulação de humidade.
Prazo: até o Inverno chegar (ou até ao próximo Inverno... ou o outro... ou o outro...).
Observações: projecto dependente da gravidade dos surtos neuróticos do projecto #1.

Outros projectos? Em stand-by, com muitos pontos de interrogação ou incógnitas puras. Conclusão: a minha vida basicamente resume-se a e depende do relatório de estágio. Fora isso, pareço ter uma incapacidade primária (que se espera temporária) para pensar, consolidar ou realizar projectos.

Da escrita automática

Ando a dar volta ao ficheiros do computador e surge-me no meio de toda a tralha um texto, escrito às tantas da noite num dia de pouco sono. Um texto que, relembrando um exercício de escrita automática do Escreva!, se soltou dos meus dedos ao sabor das minhas divagações.
Foi engraçado ler, quase um ano depois, esse espelho de angústias nocturnas, de inquietações miúdas às quais não sabemos dar nome e das questões que realmente nos enchem o pensamento, sem darmos conta delas. E depois, ao ler, são tão verdade!

Da verdade

“This will hurt”, diz Jude Law em Closer. E doeu, como doem todas as verdades pronunciadas ao longo dos inúmeros diálogos que recheiam o filme. Muitas vezes, e em especial muitas vezes numa relação, as verdades doem mais do que o que se cala. Mas, para mim, é apenas na verdade que nos podemos resguardar de todas as agruras. Eu preciso saber a verdade, mesmo que doa, mesmo que quebre tudo dentro de mim e destrua tudo o que me rodeia. Porque é apenas a verdade que nos salva das torturas inimagináveis da desconfiança, da suspeita que mina as relações até que cedam, corroídas no interior.

Because I'm adicted to it. Because without it, we're animals.
Jude Law as Dan, Closer

De Psicologia?

Eu ainda insisto... Mas ao fim de quatro números, comprova-se com todas as credenciais que a tal revista de psicologia que se estreou com a Marta Crawford a falar de sexo (e mais não digo, para não me acusarem de publicidade encapotada) não consegue ter qualidade à força de querer vender. Desde as caras conhecidas da capa com relações ambíguas com a Psicologia, aos temas remotamente ligados à disciplina em questão – culinária, viagens, produtos de beleza e afins – e aos artigos completamente idiotas e despropositados... Garanto-vos que não consigo eleger o pior mas o prémio deste mês talvez vá para um mini-artigo claramente escrito só para falar de futebol, porque está na moda e move massas, sob o título “Por que razão os jogadores da mesma equipa de futebol têm equipamentos iguais?”. Era mesmo preciso vir a Psicologia responder a isto?!?

Da afeição

É incrível presenciar, uma vez mais, o amor que une um cão ao seu dono e a tristeza que se abate sobre o animal quando se vê privado do seu companheiro... Simplesmente sem palavras!

Do significado

Gosto de ter DVDs, por duas boas razões: pela qualidade inegavelmente superior relativamente às cópias piratas e filmes “sacados da net” e pela possibilidade de revê-los, vezes sem conta se assim me aprouver. Tal como não gosto de livros emprestados, prefiro-os meus, na minha estante, acessíveis a qualquer ataque de gulodice literária. Gosto de voltar às histórias que me empolgam, que me comovem, que me põem a roer as unhas, que me enternecem... Gosto de voltar ao que já li, ao que já vi (e também aos CDs e discos de vinil que cresci a ouvir) porque sei que nunca será aborrecido e repetitivo, porque sei que tudo o que essas páginas, frames e faixas contêm se transforma perante as experiências e surge novo e renovado a cada olhar, porque haverá sempre um pouco de mim nesse regresso e eu estarei mudada e aberta a um novo mundo de pormenores e de novos significados.

De Tim Burton

Gosto de Tim Burton! A cada filme que vejo reafirmo as minhas convicções e confirmo a minha paixão por esse estilo tão vincado e tão próprio, a que gosto de chamar “delírio Tim Burton”. E o que me deslumbra mais é a capacidade deste realizador aliar a profusão de cores e sons e gestos exagerados que compõem o seu registo caricatural às emoções puras e belas das relações humanas. Ambas têm o condão de nos desenhar um sorriso no rosto, não têm?