O espelho de Narciso

sábado, 16 de julho de 2005

Estupidificante

O trabalho que estou a fazer. Percorrer o país com o ponteiro do rato, espiolhar as idades de pessoas que não conheço. Classificar. Gravar. Seguir. Mais um nome, um número, um código postal, uma idade... Gravar. Seguir. Interminavelmente. Um trabalho que hipnotiza. Adormece. Estupidifica. Felizmente são só duas semanas da minha vida. Por uma boa causa...

quarta-feira, 13 de julho de 2005

Aquele café tão familiar...

Era uma tarde de calor e ela, andando sem rumo pelas ruas da cidade, lembrou-se daquele café tão seu conhecido. Caminhou até lá, sentou-se e pegou na lista apenas por ritual: invariavelmente pedia a mesma coisa. Enquanto esperava, recostou-se e olhou em volta, amaldiçoando o facto de se ter esquecido de pôr na mala algo onde pudesse escrever. Deixou o olhar e o pensamento passear-se por aquelas quatro paredes e recordou cada momento ali passado, aqui as infindáveis conversas, ali as reuniões saudosas de amigos, além as noites de risota… Entreteve-se a bebericar a sua bebida, enquanto vagueava pela memória. Andava perdida nesse mar de recordações…
Um instante depois, levantou os olhos e viu-o. Ali estava ele, parado à porta daquele café de que tanto gostava. Dessa vez não esperava por ele, dessa vez foi com surpresa que o viu avançar para si. Percorreu-lhe a memória, no instante dos seus breves passos até à sua mesa, todos os momentos que haviam passado juntos ali. Doeu-lhe na saudade… E sorriu, radiante. Piscou os olhos para que uma lágrima teimosa não rolasse pelo rosto e, quando os abriu, uma fracção de segundo depois, ele já não estava ali, avançando para ela. Tinha estado apenas na sua imaginação.
Mas, afinal, se tivesse estado ali não seria assim tão estranho, porque aquele era o seu café… Tão dele como dela, o lugar que primeiro viria à memória num momento de deambulação, onde primeiro se poderiam encontrar. Nesse dia, porém, seria só dela… dela e das suas recordações!

quinta-feira, 7 de julho de 2005

Síndroma de Início de Férias

Levo um ano inteiro a desejar FÉRIAS! Este ano, esse desejo foi especialmente abundante, depois de tanto trabalho e sofrimento na variante do meu coração... E os últimos dias foram um tormento que dificilmente suportei!
E depois, finalmente... FÉRIAS! Como me soube bem entregar a pilha de trabalhos já concluídos e respirar fundo... Naquele instante todo o cansaço se dissipou e um sorriso como havia muito não esboçava surgiu-me no rosto, iluminou tudo à minha volta e senti-me pronta a, se fosse preciso, voltar ao trabalho duro no mesmo instante.
Andei assim, em estado de graça, durante uns tempos... Mas o Síndroma de Início de Férias já andava aí a espreitar, insidiosa e maliciosamente, para me atacar quando me apanhasse desprevenida. E agora estou aqui, completamente atacada... A falta de ocupação deixa-me na cama até às tantas da tarde e às voltas a tentar dormir às tantas da madrugada, arrumo, limpo e organizo tudo o que possa ser passível de arrumação, limpeza e organização, estou dias inteiros fora de casa, “ocupadíssima” com coisas triviais, arranjo qualquer desculpa para aparecer na faculdade... enfim, mil e uma desculpas e actividades típicas de quem de repente ficou de mãos e cabeça desocupadas, sem nada para fazer! E, como se não bastasse, pareço uma ilha, isolada neste canto da Grande Lisboa, sem os amigos por perto, contando os dias para o reencontro... E tudo isto acaba por fazer das suas e deixa-me a vida desregulada e o humor sensível, com os sonos trocados e as lágrimas por companhia!
Felizmente, o início é bem curto... A partir de amanhã, aposto que estou curada deste maldito síndroma, para não parar mais até ter de me refrear e concentrar-me no estudo, de novo. Entretanto, vou estar ausente... Portugal e Espanha serão a minha casa, longe destas paredes onde me enfio todo o ano a trabalhar. Até um dia, amigos!

domingo, 3 de julho de 2005

O que é a solidão?

A solidão de um amigo, a minha própria solidão, fizeram-me recordar um texto há muito tempo escrito e guardado na caixinha das recordações... Escrito noutras circunstâncias e com outras (des)preocupações na alma, mas ainda assim repleto de pensamentos e sentimentos que posso reconhecer. Relê-lo fez-me voltar a esse tempo em que eu, finalmente curada de tantas dores de alma, me deitava na cama a olhar o tecto e só conseguia sorrir. E fez-me sorrir novamente, por entre as lágrimas que às vezes ardem nos olhos e teimam em escorrer... Aqui vos deixo, com a “sabedoria” de tempos mais calmos e mais sensatos:

“O que é a solidão?
Um dia pensei que a solidão era não ter uma pessoa ao meu lado, que me apoiasse, com quem pudesse partilhar alegrias e tristezas, no ombro de quem pudesse chorar. Pensava que a solidão era andar sozinho por entre a multidão, olhar para cada rosto e ver um muro de gelo, gritar e ninguém olhar. Porque eu sentia-me só, não tinha ninguém para partilhar cada pedaço da minha vida, gritava e ninguém olhava para mim, apesar de estar rodeada de gente...
Mas um dia fiquei sozinha... e não me senti só. Não tinha ninguém ao meu lado e ainda assim sentia a solidão bem longe. E então descobri o verdadeiro sentido da solidão! Descobri que a solidão é não me ter a mim própria para me apoiar, é não confiar naquilo que sou e naquilo que valho, é precisar de alguém por não conseguir estar comigo mesma e ajudar-me a mim própria.
E, afinal, o que é a solidão? É o vazio de um Amor ausente... Talvez me sinta só quando não consigo amar o suficiente aquilo que sou, quando o meu não-Amor me isola do amor dos outros. Mas como me amar, se não perdoo as falhas que cometo, os defeitos que tenho e a pessoa que sou? Porque no Amor é necessário o perdão, assim a solidão toma conta daqueles que não se sabem perdoar.”

14 de Setembro de 2003