O espelho de Narciso

terça-feira, 30 de agosto de 2005

Porque não?

Vagueio pela Internet e, no meu vaguear, encontro-me... Os pedaços de mim, as pegadas dos amigos, a curiosidade dos desconhecidos levam-me a uma exploração tanto exterior como interior. E um dos sites que mais me fez mergulhar nas recordações: Escreva! Transportou-me de volta à escola onde cresci e vi-me, mais nova, mais livre, mais inocente, esperando com ansiedade a sexta-feira, em que a aula de Português era puro prazer. Como eu adorava o dia da escrita criativa!
Entretanto os anos passaram e, em lugar das divagações de sexta-feira, fiquei apenas com a vontade de escrever e os meus sentimentos... E, de repente, uma nova oportunidade de voar, de me descolar de mim mesma surge, a um clic de distância. E a criança a rebentar de ansiedade e imaginação revive em mim e diz-me: porque não?

Debaixo do tapete

Há coisas na vida que são como os cacos que, em crianças, varremos para debaixo do tapete. Coisas que, inadvertida ou propositadamente, deixamos cair e estilhaçar-se em bocados. Cacos que não temos coragem de expor aos olhos do mundo, pelos quais não queremos responsabilizar-nos ou, simplesmente, aos quais não queremos dar o veredicto final. Varremo-los então para debaixo do tapete, para fora da nossa vista enquanto, ao mesmo tempo, os deixamos bem vivos no nosso pensamento. Os nossos passos sobre a tapeçaria irregular rangem, os cacos continuam no nosso caminho, enchendo-nos a mente de pensamentos, e vivemos com a vontade de levantar a ponta do tapete, sentar no chão com um tubo de cola na mão e juntar os pedacinhos um a um, com dedicação e perseverança.
Há tantas coisas na vida que são como os cacos debaixo do tapete! Os sonhos inalcançáveis, as esperanças quase perdidas, as recordações ambivalentes que nos enchem de saudade e de raiva, as lágrimas, os remorsos, os sorrisos longínquos... Há muitos tapetes que rangem sob os nossos pés, há muitos puzzles que não queremos afastar definitivamente do nosso horizonte, do nosso pensamento. Há muitos cacos escondidos mas não esquecidos que vão minando devagar o nosso espírito e a nossa consciência.
Mas um dia temos de tomar coragem, arregaçar as mangas e levantar todos os tapetes do nosso caminho, sacudir-lhes o pó, varrer os estilhaços e começar uma nova caminhada, de janelas abertas e casa arejada... sem os cacos debaixo do tapete a estorvar cada passo!

segunda-feira, 15 de agosto de 2005

Crónicas de dias de ócio e de sol

Estou de volta... De volta dessas férias deliciosas que souberam tirar-me o cansaço do corpo e deixar-me a pele morena, da movimentada Costa del Sol e do cantinho pacato do Algarve que tanto adoro. E, na volta, trago comigo a recordação desses dias de ócio e de sol, salpicados de sal e de areia, quentes e preguiçosos.
Partilho agora convosco, aqui, pequenos momentos e divagações que tornaram estas férias um pouco mais especiais...
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Casino
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Torremolinos. Uma vez mais. Numa rotina que sabe bem, num lugar onde somos acarinhados como família. E, este ano, uma surpresa, combinando com o calor mediterrâneo e as noites de lua cheia e horizonte repleto de luzes cintilantes, chegam-nos os ritmos escaldantes e românticos de além-mar: da Argentina.
Três rapazes – o de barba e com ar calmo do piano e da harmónica, o careca do saxofone e do clarinete que vibra ao máximo e o vocalista, magro, sorridente e enérgico que se parece estranhamente com o Jorge Gabriel – fazem-nos as delícias enquanto tomamos as nossas bebidas. Músicas e sons fantásticos a acompanhar uma voz maravilhosa, alegria e boa disposição, que mais poderíamos esperar deste grupo chamado Casino e que nos traz toda a gana de viver da Argentina?
24 de Julho de 2005
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Passeios à beira-mar
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Na calma deste cantinho do Algarve à beira-mar plantado, apetece embalar a alma. E haverá melhor sítio par tal do que a minha linda praia?
O Sol da tarde encontra-me sempre passeando na areia molhada, com as ondas a lamberem-me os pés e a salpicarem as pernas. Gosto do turbilhão de pessoas da tarde alturense, das crianças a chapinhar nas pequenas lagoas construídas com amor, dos adultos que se divertem mais que os próprios filhos com baldes, pás e areia, dos casais que passeiam de mãos dadas, de todos (quase sempre homens) os que aproveitam a extensão da areia molhada para fazer as suas corridas para manter – eu diria mais (tentar) recuperar – a forma, do nadador-salvador sempre rodeado de raparigas... Gosto de observar a pele morena, os sorrisos e as traquinices de quem está de férias, despreocupado, livre. E gosto de andar apenas, com a água a salpicar-me as pernas, perdida nas minhas divagações, com o olhar mergulhado no horizonte ou na dança do sol com as nuvens, que forma imagens lindíssimas.
Nas minhas deambulações à beira-mar, alcanço sempre um pouquinho de paz. Sozinha num ponto mais ou menos deserto da praia, liberto os sentidos e deixo-me invadir pelo mar. Os sons, os cheiros, as cores e as sensações que essa vasta massa de água me oferece percorre-me, desperta antigas memórias, sacode sonhos escondidos, liberta as preocupações e os desgostos... Uma canção brota dos meus lábios, uma lágrima dos meus olhos, um suspiro do meu peito. Inspiro uma golfada de ar carregada de tranquilidade e sinto-me rejuvenescida, lavada e serena. Sorrio ao olhar para a lonjura do horizonte azul e para o interior de mim. E, saboreando o vaivém das ondas, inicio a caminhada de regresso...
7 de Agosto de 2005
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O prazer de escrever uma carta... de esperar uma carta
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O meu desprezado telemóvel jaz no fundo do saco de praia, como se tornou hábito nestes dias de férias. Passa horas lá, esquecido e silencioso... E, enquanto o arranco do exílio a que o sujeito longa e inadvertidamente, lembro-me de quem está longe. Tantos amigos, que também devem esquecer o telemóvel no fundo do saco de praia, de férias do mundo...
Nesse instante, um pensamento à solta brota do meu espírito... Recordo um outro Verão, longe no tempo, passado noutro lugar, cheio de algo quase esquecido: cartas. Foi um ano especial, recheado de novidades forjadas a tinta azul e de desejos tornados realidade na corrida matinal até à caixa de correio. Sabia tão bem escrever longas páginas, juntar-lhes flores secas, recortes de revista e fragmentos de mim, selar o envelope e escrever a morada tão bem conhecida com todo o cuidado, para que chegasse ao seu destino. E sabia ainda melhor contar os dias para a carta chegar, imaginar o tempo de duração da resposta, calcular os dias necessários para voltar e a partir daí correr todas as manhãs à caixa do correio para receber a missiva tão desejada, cheia de respostas, curiosidades, desenhos, perguntas e, mais importante que tudo, pesada de amizade e de saudade, sentimentos partilhados à distância... à distância de uns quantos dias e de várias mãos dos Correios, para nos chegarem ainda intactos, gigantes, doces e eternos.
Saboreio esse prazer recordado durante os instantes que a memória me concede, antes que a nostalgia apague tudo o mais. Onde anda esse prazer de escrever uma carta, de encher longas folhas de uma letra miúda e cuidada, de verificar dúzias de vezes o endereço e de esperar ansiosamente a resposta? Onde anda o prazer de abrir a caixa de correio para tirar os panfletos de publicidade e descobrir um envelope ou postal com uma letra familiar, que nos lembra amizade e nos enche de saudade? Onde andam esses prazeres, agora que outros meios tornam a distância mais curta mas também a saudade mais descartável?
Enquanto estes pensamentos surgem, olho para o telemóvel na minha mão e, estranhamente, apetece-me deixá-lo no fundo do saco e escrever uma montanha de cartas. Que falta me fez de repente a agenda que tenho no fundo da gaveta, lá em casa...
10 de Agosto de 2005
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Coisas que a-do-ra-mos saber
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“As pessoas que têm por hábito o consumo regular de doces, em especial chocolate, têm maiores probabilidades de terem uma vida prolongada. Segundo um estudo publicado no British Medical Journal, o motivo prende-se com os fenóis antioxidantes existentes no chocolate, que, consumidos uma a três vezes por mês, reduzem em 36% o risco de morte. É caso para dizer que o que é doce nunca amargou...”
in Activa, Agosto de 2005
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É sempre reconfortante, em especial num mês que faz as torturas de muitos. Uma lufada de (científico) ar fresco que afasta os medonhos fantasmas da balança e da diabetes...
11 de Agosto de 2005